Talibãs na economia

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Normann Kalmus
Economista liberal, Knowledge Manager, Palestrante, Mentor | dinamização e crescimento de empresas + governos no mercado nacional e internacional

Em 9 de março de 2001, há 22 anos em Bamiyan, Afeganistão, bombas colocadas durante 3 dias por prisioneiros, começaram a destruir as estátuas de Buda mais altas do mundo, com 55 metros de altura, até então encravadas numa escarpa do local, um parque arqueológico listado pelo Patrimônio Histórico Mundial da Unesco. A detonação das bombas era acompanhada por gritos de “Allah Akbar” (Deus é grande).

O pacote divulgado pelo ministro da fazenda, que admitiu em entrevista não entender nada de economia, acabou por reforçar a impressão que o mercado já tinha e que em muito se assemelha ao ocorrido em Bamiyan, que almejava supostamente impedir a idolatria às imagens.

De forma análoga, o que o ministro parece pretender é impedir a “idolatria” aos excepcionais resultados obtidos com a política econômica implantada pela equipe de Paulo Guedes, que levaram o país a ser reconhecido como o que melhor administrou a crise pós-pandemia de 2020.

Não só o tal “pacote” parte de premissas falsas, como ignora as evidências empíricas[i] do passado recente, o que nos conduzirá inequivocamente a resultados evidentemente negativos. Tudo em nome do “rompimento com o passado”.

A “obra de destruição” será apresentada ao Fórum Econômico de Davos na próxima semana e não duvido que os envolvidos gritem, ao final, “Allah Akbar”.

A razão do pacote

Para resumir, poderia simplesmente dizer que estão tentando criar uma solução para um problema que não existia, foi criado por eles e que o congresso referendou.

Com a aprovação da PEC da gastança, fura-teto ou da “transição”, que supostamente permitiria ao governo cumprir as promessas de campanha, foi necessário apresentar alguma proposta que demonstrasse sua preocupação com o equilíbrio fiscal, aquele mesmo que o presidente considera uma “estupidez[ii]”.

Até aí, tudo certo, porque independentemente do discurso, parece que não foi desconsiderada a importância de manter as contas públicas sob controle. O problema está na falta absoluta de alinhamento com a realidade, além de claramente transferir os custos às classes de renda mais baixas da sociedade.

Segundo o cálculo do ministério, que deveria ser chamado de Nárnia[iii], o pacote fará a receita do Tesouro crescer R$36 bilhões, além de incluir uma expectativa adicional de apropriar-se de outros R$23 bilhões dos ativos do PIS/PASEP, que na verdade são recursos dos trabalhadores, principalmente de renda mais baixa, e não do governo.

O ministro declara que é “adequado tentar equilibrar o orçamento ainda neste ano”. Chama a atenção o verbo “tentar”, mas é compreensível porque ele mesmo cita que está criando uma agenda conjuntural de 90 dias, o que se traduz por, dependendo dos resultados, mudamos tudo.

O que foi anunciado

  • PIS/Cofins: Mais imposto é a tônica do pacote. Começamos com a revogação da redução do PIS/Cofins sobre receita financeira das empresas e, provavelmente, sobre combustíveis, o que resultará em aumento do preço e, consequentemente, em inflação. Lembre-se da deflação que tivemos durante a redução dos preços do combustível por conta da carga tributária reduzida.
  • CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) é um órgão administrativo que julga recursos de autuações. Desde 2020, em caso de empate no julgamento de um processo administrativo para determinação de crédito tributário, a discussão seria decidida em favor do contribuinte. Agora, o chamado “voto de qualidade” (ou de Minerva[iv]), volta a ser do ministério, o que significa dizer que a única forma de ter esse voto favorável é ser amigo do “rei”.
  • LITÍGIO ZERO foi outra genialidade apresentada relacionada ao CARF que, em suma, é um REFIS (outra vez a mesma ideia), mas com uma pitada de maldade adicional: o contribuinte pode ingressar com um recurso somente UMA VEZ. Se a proposta for acolhida, acaba-se o litígio, caso contrário, volta o processo de cobrança.

Estou certo de que tal discricionariedade não será utilizada em favor deste ou daquele grupo mais próximo, mas a previsão apresentada é de extinção de quase mil processos, somando aproximadamente R$6 bilhões.

Conheço pouca gente que não paga impostos porque não quer. De forma geral, isso acontece porque o contribuinte não dispõe dos recursos necessários para fazê-lo. Se mesmo com desenvolvimento econômico como tivemos no passado recente, esse pagamento não ocorreu, qual a base para acreditar que agora, com a redução já sentida e que será aprofundada com o aumento da carga tributária, haverá possibilidade de arrecadação desses valores?

Combinaram com os russos?

As ações propostas claramente estão centradas no aumento da arrecadação, ou seja, de ampliação do peso do Estado na economia (nosso bolso), em 2023 e 2024.

Na arrecadação, o aumento previsto é de R$83 bilhões em medidas permanentes e R$73 bilhões em extraordinárias. Também se prevê R$50 bilhões em redução de despesas por revisões de contratos e contingenciamentos.

Temos alguns problemas nesse raciocínio.

Precisamos admitir que um presidente que considera estupidez um limite de gastos, não é exatamente a melhor pessoa para reduzir despesas e tampouco o histórico da administração petista indica que revisões contratuais conduzam a cortes de despesa, mas não quero entrar nesse mérito.

A questão que me parece mais óbvia é que os “cálculos” apresentados pressupõem uma arrecadação baseada no comportamento de 2022 quando tivemos efetiva redução na carga tributária, exatamente o oposto do que propõe o ministério de Nárnia.

Parece-me que o ministro, em seu breve curso de economia, não teve tempo de entender os reflexos da curva de Laffer[v] e, tampouco, considera relevantes os fechamentos de empresas que já se verificam ou o efeito da queda de investimentos derivada da falta de confiança.

Quem ganhará com isso (sim, sempre alguém ganha) é o grande capital, que voltará a lucrar com o mercado não real, enquanto a economia real terá que buscar formas para continuar sobrevivendo aos ataques dos teóricos dos talibãs da “Teoria Monetária Moderna[vi]”.

[i] https://pt.wikipedia.org/wiki/Empirismo

[ii] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-chama-teto-de-gastos-de-estupidez-em-discurso-de-posse-vamos-revogar/

[iii] https://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%A1rnia

[iv] https://pt.wikipedia.org/wiki/Voto_de_Minerva

[v] https://pt.wikipedia.org/wiki/Curva_de_Laffer

[vi] https://www.mises.org.br/article/3016/eis-a-promessa-da-teoria-monetaria-moderna-as-utopias-sao-alcancaveis-sem-consequencias-nefastas

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