Será que vamos abandonar o US$?

Picture of Normann Kalmus
Normann Kalmus
Economista liberal, Knowledge Manager, Palestrante, Mentor | dinamização e crescimento de empresas + governos no mercado nacional e internacional

Tenho recebido algumas perguntas diretas de contatos da rede e, considerando o interesse geral desta em particular, resolvi publicá-la de forma aberta, juntamente com minha resposta:

“Gostaria de saber em mais detalhes sobre sua visão no que diz respeito aos impactos e até o que está por trás do próprio plano, claramente arquitetado, de tirar o USD de algumas das principais transações internacionais que o Brasil realiza.”

Para começar, esse movimento não é exclusivo do Brasil, nem o Brasil declara estar interessado somente em substituir o USD pelo Renminbi, porque já seus representantes já falaram a respeito de transações com a Argentina em pesos e na possibilidade de uma moeda comum do Mercosul.

Temos muito de geopolítica aqui. O dólar como lastro de transações internacional tem 3 características essenciais:

  • é meio de troca,
  • reserva de valor e
  • unidade de conta (é adotado como métrica),

Isso transfere aos EUA um poder enorme, assim como alguns custos e responsabilidades.

Só um pouquinho de história

Esse arranjo só foi possível a partir do acordo de Bretton Woods (julho de 1944), após a WWII, como forma de reestruturar financeira e economicamente o ocidente.

Para não ser muito longo e aborrecido, esse acordo estabeleceu uma âncora monetária internacional (o Dólar dos EUA), substituindo a Libra Esterlina (a Inglaterra estava destruída e sua moeda não poderia continuar cumprindo essa função). O Dólar, por sua vez, teve seu valor atrelado ao ouro (até 1971).

O mundo estava destruído pela guerra, mas EUA sabiam que precisavam garantir mercado para seus produtos, portanto, não só ajudaram as nações a se recuperarem com os Planos Marshall (Europa) e Colombo (Sudeste Asiático), como também estabeleceram um meio de troca e reserva de valor, além de possibilitar que financiamentos fossem feitos a partir de seu território (antes a praça financeira era só Londres).

Movimento anti-soviético

Assim como a criação da OTAN, todo esse movimento teve também outro aspecto geopolítico: a URSS estava se fortalecendo e aumentando seu domínio na Europa Oriental, pretendendo ampliar sua extensão territorial (a Finlândia cedeu parte de seu território e de sua capacidade industrial como forma de acabar com a disputa em seu território).

Mais recentemente acompanhamos o ocidente pressionando a Rússia por conta da invasão à Ucrânia e o contra-golpe daquele governo, exigindo que seu petróleo fosse comercializado em Rublos, o que trouxe alguma estabilidade (âncora) à moeda.

Interesse dos EUA

Cada transação internacional lastreada em USD, naturalmente acaba sendo registrada pelo FED, através dos bancos conveniados aos norte-americanos, portanto, o primeiro interesse do país é o controle da informação.

Além disso, naturalmente o aumento da circulação da moeda (meio de troca), também valoriza essa mesma moeda e, por exemplo, também possibilita o financiamento do seu enorme déficit com a emissão de moeda.

Os juros da economia americana são muito baixos, exatamente porque o país tem um esforço muito menor de captação e, portanto, títulos públicos lá têm muito mais mercado do que os do Brasil, por exemplo.

Mas a valorização do USD acarreta no território doméstico alguns problemas. Os produtos americanos ficam mais caros, o que também cria a característica deficitária das transações nacionais.

No entanto, esse problema é compensado porque o país mantém a vantagem de ter sua moeda utilizada como reserva de valor, inclusive dos outros países (os EUA praticamente não tem reservas internacionais).

Então, qual o problema de trocar a moeda internacional?

Para manter essa estrutura internacional funcionando, o sistema monetário dos EUA tem mecanismos muito claros e conhecidos de todo o mundo.

Existem indicadores de endividamento conhecidos por todos, a inflação é calculada e apresentada claramente, as taxas de juros básicas são acompanhadas por todos.

A transparência do mercado financeiro dos EUA acarreta propriedades que moedas de outros países, como Rússia, China e obviamente Argentina e Brasil não têm como a fungibilidade, portabilidade e cogniscibilidade (você já viu uma nota de Rublo?)

Nem Rússia, nem China são conhecidas por sua grande transparência, portanto, é bastante possível (não afirmo que o façam) que suas cotações sejam artificialmente manipuladas, o que não acontece com a moeda americana.

O Brasil tem um enorme superavit comercial com a China (vende mais do que compra) e o resultado disso é uma conta de reservas crescentes. Essas reservas estão em dólares e, portanto, podem comprar petróleo saudita ou cobre chileno, por exemplo.

Se a China resolver desvalorizar sua moeda atualmente, as reservas estão seguras em dólares, mas e se as reservas estivessem em Renminbi?

Quanto petróleo poderia ser comprado? Quanto cobre?

Por isso o diplomata norte-americano ironicamente comentou a declaração das autoridades brasileiras com um lacônico “Boa Sorte”.

Mas, então, para que estão falando nisso?

É tudo geopolítica… e mal feita!

Os BRICS têm um papel crescente na economia mundial, os EUA, principalmente sob o atual governo, têm visto sua importância relativa reduzir-se, o que não quer dizer que seja conveniente comprar uma briga à toa, especialmente porque não ganhamos nada com isso.

Alguém acredita que os governos de Rússia e China estarão automaticamente alinhados com o Brasil por conta disso? Teremos transferência de conhecimento em condições vantajosas? Deixarão de bloquear exportações de gado de MS quando uma vaca espirrar no AC?

Mas o que o “governo” local pretende não é construir nada. Aliás, muito pelo contrário.

Um país forte, tem uma economia forte, uma sociedade forte e pronta a rechaçar qualquer tentativa de usurpação da liberdade.

plugins premium WordPress