Porto seco em Três Lagoas: razões que a própria razão desconhece.

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Normann Kalmus
Economista liberal, Knowledge Manager, Palestrante, Mentor | dinamização e crescimento de empresas + governos no mercado nacional e internacional

A manchete de 14/12/15 do Correio do Estado que informa que Três Lagoas – e não Campo Grande – terá um porto seco. Deve estar equivocada… ou não? Quais razões lógicas que o governo do estado terá para tomar tal decisão?

Como convém a quem pretende ser compreendido, vamos começar do começo.

O que é um porto seco?

Porto seco (Dry port) – cuja denominação técnica é EADI Estação Aduaneira Interior – é um terminal terrestre, normalmente com acesso multimodal, com infraestrutura adequada para ser utilizado como depósito alfandegado, regulado pelas seguintes normas legais e a regulamentações: Leis nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 e nº9.074, de 7 de julho de 1995; Decretos nº 1.910, de 21 de maio de 1996, nº 1.929, de 17 de junho de 1996, nº 2.168, de 28 de fevereiro de 1997, nº 2.763, de 31 de agosto de 1998 e 3.345, de 26 de janeiro de 2000; e Instruções Normativas nº 130, de 9 de novembro de 1998, nº 55, de 23 de maio de 2000, e nº 56, de 23 de maio de 2000 e nº 109, de 8 dezembro de 2000.

Trocando em miúdos, é uma área com acesso através de diversos meios de transporte – quanto mais, melhor – onde são depositados produtos importados ainda não nacionalizados ou nacionais a exportar.

A grande vantagem é que o sistema flexibiliza importações e exportações, reduzindo custos e permitindo o fracionamento ou a consolidação de embarques e, no caso de MS, uma importante fonte de recursos tributários e geração de empregos.

Existe um porto seco em MS?

Não, e essa história é longa. A tentativa de instalação começou em Campo Grande e deveria ter ficado pronta em Outubro de 2007, mas vem se arrastando desde então.

As obras foram paralisadas por determinação do TCU, retomadas em 2009, mudaram de dono, foram assumidas em dezembro de 2012 por um consórcio de peso que venceu o processo para outorga onerosa por 30 anos, com o nome de ParkX, mas estão paradas outra vez, embora em Agosto de 2014 o então secretário da Seintrha (Secretaria de Infraestrutura, Transporte e Habitação), Semy Ferraz, tenha declarado que estariam terminadas em 3 meses a um custo residual de R$3 milhões.

Mas e como Três Lagoas entra nisso?

Correndo o risco de ser irônico: Boa pergunta!

Inacreditavelmente, segundo o Correio do Estado de 14 de Dezembro de 2015, o governo de MS resolveu empenhar-se em levar a instalação do primeiro porto seco do estado para Três Lagoas, cidade na divisa com São Paulo.

Eu tenho uma esperança grande que o jornal tenha se equivocado, afinal, simplesmente não faz o menor sentido, sob qualquer ótica, instalar a primeira EADI de MS naquela cidade.

Por que não Três Lagoas?

Vamos analisar alguns aspectos, sem a pretensão de esgotar o tema nem ser muito chato, afinal, isto não é um artigo científico, embora ofereça algumas linhas de análise. Use o mapa acima como referência para analisar os argumentos.

1. Localização: Um porto seco recebe cargas para importação e exportação, portanto, deve ficar tão próximo quanto possível dos centros produtivos. Três Lagoas vem se desenvolvendo muito, é verdade, mas ainda está longe, muito longe, dos volumes produzidos e consumidos em Campo Grande. Além disso, como se percebe analisando o mapa acima, a capital do estado encontra-se exatamente no seu centro geográfico, possibilitando a distribuição de produtos e matérias-primas para o interior.

2. Multimodalidade: Um porto seco é tão mais eficiente quanto mais diversificada for sua matriz modal, ou para ser menos técnico, quanto mais conectado por diferentes meios de transporte. O porto seco de Campo Grande tem um terminal ferroviário, acesso por rodovia e fica muito próximo do aeroporto internacional. Poderiam argumentar que Três Lagoas está às margens do Rio Paraná, só que não se exporta através daquela hidrovia por uma razão: não há saída para o sul pela falta de eclusas e a saída pelo Rio Tietê exige transbordos caros, além de acesso ao porto de Santos, também caro. Se quiserem acesso à hidrovia, instalem a estrutura em Porto Murtinho ou Corumbá.

3. Interiorização: Um porto seco é uma eficiente ferramenta de interiorização do desenvolvimento, afinal, as condições propícias costumam atrair investimentos para o entorno. Nesse caso, Três Lagoas é simplesmente o último lugar a ser instalada a EADI, visto ser aquela cidade a que mais tem se desenvolvido no estado nos últimos anos. Se pretendem interiorizar, que seja instalado na região sudoeste do estado, o chamado Cone Sul, entre Aral Moreira, Coronel Sapucaia e Mundo Novo.

4. Geopolítica: Um porto seco também é um instrumento de geopolítica, afinal, ao levar a atividade econômica para eventuais vazios populacionais, promove-se a ocupação e reduz-se o subemprego, a violência e as atividades ilegais. Bem, se existe uma coisa que Três Lagoas não tem é vazio populacional e se a ideia for essa, outra vez a região sudoeste é a mais indicada.

5. Expectativa de crescimento: essa é outra linha de análise que poderia justificar a instalação, no entanto, outra vez Três Lagoas não é o lugar adequado porque, embora a indústria de transformação de madeira esteja instalada na região, esse segmento é bastante verticalizado, o que significa que essencialmente a estrutura estaria beneficiando somente uma atividade. Alternativas? Simples, até Maracaju seria mais coerente. Lá está sendo instalada uma indústria bioquímica cuja linha de produção abrangerá mais de 20 produtos, além do ácido cítrico, produzidos a partir do milho. A cidade está mais próxima da hidrovia e terá acesso por ferrovia direto a Paranaguá.

Enfim, espero sinceramente que a reportagem do jornal tenha se equivocado. Caso contrário, haverão de surgir muitas dúvidas acerca de tão estranha opção.

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