Bem vindos à realidade

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Normann Kalmus
Economista liberal, Knowledge Manager, Palestrante, Mentor | dinamização e crescimento de empresas + governos no mercado nacional e internacional

No momento em que escrevo, prefeituras de MS estão fechadas “em protesto” contra os cortes promovidos pelo governo federal e o prefeito da capital, Campo Grande, num arroubo de sinceridade declarou que “não adianta tapar o sol com a peneira”, ao admitir a possibilidade de parcelar o pagamento dos servidores.

Eu sei que pode ser bastante traumático, mas quero dizer aos prefeitos que Papai Noel não existe. É, sim, desculpe a franqueza e a falta de tato. Aliás, nem ele, nem o coelhinho da Páscoa ou a fada do dente. Agora que perdemos um pouco da nossa inocência juntos, vamos recomeçar a conversa.

Caros senhores gestores, a tal “marolinha” alardeada pelo ex-presidente era, na verdade, um tsunami escondido por um lençol que servia de cenário. Mas a responsabilidade não é dele, não, nem da senhora que o sucedeu na cargo. O fato é que todos fizeram questão de serem enganados e de repetir as mesmas inverdades à exaustão.

Não é preciso ser um gênio da economia para entender que não existe almoço de graça, mas como falar a verdade se tornou politicamente incorreto, passamos a idolatrar aqueles que presenteavam a turba ignara com espelhos. O mundo está cheio de exemplos de socialismos que terminaram quando acabou o dinheiro alheio e é exatamente disso que estamos falando agora.

A culpa é minha! Ponho em quem eu quiser

Mesmo neste momento tão importante, não faltam as tentativas de transferir responsabilidades, como pudemos constatar na semana passada quando durante a apresentação das contas do semestre, o Secretária de Fazenda do Estado responsabilizou a crise econômica, esquecendo-se de que os números que ele mesmo apresentava traziam um aumento na arrecadação.

Mas essa coisa de lógica é para esses economistas chatos que acham que o governo, empresas e famílias não podem gastar mais do que ganham, do contrário, em algum momento vai haver um desequilíbrio e o castelo de cartas vai ruir.

Agora até prefeito petista resolveu reclamar da gestão federal, esquecendo, é claro que defende a desapropriação de terras produtivas e a concessão de benefícios e aumentos de salários indiscriminadamente.

Olhando de cima

A imagem que ilustra este texto é do provavelmente mais conhecido deserto do mundo, o Sahara. A ironia é óbvia quando percebemos que ele é banhado pelo mar, coisa que normalmente não notamos, a menos que olhemos do alto.

A função básica de um dirigente, público ou não, deveria ser planejar ou determinar objetivos e metas a serem atingidos. Não há problema algum em almejar a lua, desde que sejam consideradas todas as condições, o que inclui o tempo, necessários para isso.

O problema é que, por experiência própria, nossos políticos odeiam quem lhes diz a verdade. Continuam preferindo cercar-se de vassalos serviçais que concordem com suas sandices, a ter a seu lado gente séria comprometida com resultados concretos. 

Com exceção das contas bancárias cifradas em diversos paraísos fiscais, nada do que está acontecendo no país é novidade para nenhum profissional sério que estivesse minimamente analisando as perspectivas econômicas. É claro que não estou falando do ex-ministro da Fazenda, que não se enquadra em nenhuma dessas categorias.

Então, por que não aconteceu nada? Por que prefeituras estão “fechadas em protesto” por conta de uma tragédia anunciada?

Porque ninguém gosta de encarar a realidade.

Em economia existe um comportamento que denominamos “normalcy bias” que é uma condição de negação da tragédia iminente. A pessoa sente que é melhor fechar os olhos do que entender e acompanhar o que está acontecendo.

O problema é que ficam comprometidas as possibilidades de reação ou até de evitar que o problema ocorra, exatamente porque planejar é algo que exige um trabalho com a tal “realidade”, uma matéria da qual nossos gestores sabem pouco, se é que conhecem seu significado.

Aos servidores, uma notícia muito desagradável: independente de serem ou não responsáveis pelo problema, sim, seus cargos, mesas, secretárias, refrigeradores, vantagens, tempo de serviço e principalmente aquela “estabilidade” que você acha que tem, tudo passa a entrar na mira a partir da queda da arrecadação.

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